Abordagem para o ensino da matemática de forma participativa, colaborativa e lúdica para estimular o aprendizado, auto-estima e gosto pela matemática. Projeto apoiado pelo Instituto TIM.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Sobre crianças violentas


Aproveitando o post da Bárbara e os comentários do Flavio, hoje eu venho aqui para contar uma história que acho que ilustra a realidade de muitas das crianças com as quais lidamos e que muito justifica o comportamento delas. Na última semana comecei a dar aulas para uma turma de primeiro ano que, segundo alguns professores com quem conversei, seria a melhor turma da escola. Fiquei com uma turminha pequena, só de meninas. Muito falantes e cheias de energia, como qualquer criança. Não foi nada fácil prender a atenção delas. De fato é mais difícil para crianças pequenas entender a dinâmica das aulas do círculo. Elas sentem falta do papel para rabiscar e da mesa à sua frente para segurá-las em seus lugares, mas nada com o que elas não possam se acostumar.

Em certo momento, já quase no final da aula, duas meninas começaram a brigar e, mesmo com a minha tentativa de apartar, e intervenções via conversa, incluindo aí todos os meus pedidos para que as duas se sentassem, uma delas deu um chute na outra. Terminei a aula ali. E enquanto todas as outras meninas voltavam para a sua classe, me sentei ao lado da menina que deu o chute e perguntei para ela porquê  ela tinha batido em sua coleguinha.

- Por que você bateu na sua amiguinha?

- Porque ela disse uma coisa que eu não gostei.

- Mas não é assim, fulana. Não se pode sair por aí batendo nas pessoas. Não consigo pensar em um motivo que justifique bater em alguém. Se ela disse alguma coisa que você não gostou, você pode dizer isso a ela. “Poxa, não gostei do que você falou. Fiquei triste. Por que você disse isso?”. E daí então, vocês podem conversar e pronto. Acaba aí. Me conta uma coisa, você já apanhou alguma vez? Como você se sentiu?

- Sim, meus pais me batem. Me batem sempre que eu faço alguma coisa que eles não gostam. Outro dia eu estava lavando a louça na minha casa, quebrei um copo e minha mãe me pegou. Meu irmão também. Ele sempre conta mentiras para os meus pais para eles me baterem. Meu irmão é muito fofoqueiro. Eu sempre apanho.

- E como você se sente quando isso acontece?

- Eu fico triste.

Também fico triste, pensei. Continuei conversando por mais algum tempo com a menina, tentando explicar o porquê de ela não poder bater na coleguinha. Pedi para que ela pedisse desculpas para amiga, para não fizesse mais isso. Mas de que adianta eu dizer isso para ela se em casa ela aprende que bater nas pessoas é a forma que se tem de demonstrar desapontamento, de reprovar uma atitude? Ela bate na amiguinha porque batem nela. E batem nela porque ela bate na coleguinha.

Voltei para casa naquele dia sentindo uma tristeza que é difícil de descrever. Antes, na mesma turma, a melhor da escola, enquanto a professora dividia a turma entre mim e outro professor, o pai de um aluno entrou na sala de aula para deixar o menino que chegara atrasado, ameaçando-o puni-lo fisicamente. O pai disse algo como: “Ele é meu filho e eu arrebento ele se eu quiser. Aqui dentro ou lá fora. Então é melhor ele se comportar”.

No círculo tentamos promover a autonomia, incentivamos o aluno a ouvir e a respeitar a opinião do colega, tentamos fazer da sala de aula um ambiente democrático, seguro para errar e para acertar. Acredito mesmo que a escola tem um papel muito importante para formar pessoas e, quando digo isso me refiro não só à formação de habilidades cognitivas, mas também a outras que dizem respeito a forma como o aluno se relaciona com ele mesmo, com outras pessoas e com o ambiente no qual ele está inserido. Acho que a escola é uma ferramenta importante na construção de um mundo melhor e que, portanto, é crucial intervir nela, dado que as crianças passam boa parte do seu tempo lá. Mas a pergunta que eu me faço é, o que fazer se, depois da escola, as crianças precisam voltar para casa? Como ensinar os pais a serem afetuosos com os seus filhos? Não é minha intenção aqui generalizar, muito pelo contrário. Estou tratando aqui de crianças cujos pais apresentam comportamentos agressivos, e que, em razão disso, transmitem para seus filhos valores que são pró-comportamentos violentos.

Ainda estou longe de encontrar uma resposta, mas se tem uma coisa que, a cada aula que dou, tenho mais certeza, é que o que vejo na sala de aula é só uma face de um problema que é muito mais complexo e que demanda muito mais para ser resolvido.


4 comentários:

  1. Oi Carol... é fogo né? Concordo plenamente com você...na semana passada...infelizmene fui testemunha de uma situação parecida... o menino não era meu aluno, mas pelo que vi a escola chamou o pai porque esse menino estava batendo em outros... ai o pai falou para a coordenadora a seguinte frase:" Seu meu filho bate em alguém na escola...apanha em casa".... Gente.. que sentido tem isso? Fiquei estática.... ou seja, como você disse muito bem... o problema realmente é mais complexo.... bjs e força... =) Jana

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  2. É, sinto que algo precisa ser construido com os pais também.

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  3. Oi, Jana! É muito difícil mesmo. Força para todos nós.

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  4. Olá Caroline, entendemos muito sua situação. Ontem mesmo entrei numa turma de 3º Ano para dividir as turminhas e encontrei um aluno da sala batendo a cabeça do outro na parede. Esse mesmo aluno continuo com atitudes agressivas, chegando a derrubar o outro aluno da cadeira e jogar a cadeira nele. Fiquei perplexa! Mas é uma triste realidade. Nessa mesma turma, percebi que as meninas também são muito agressivas. Eu tive a oportunidade de conversar com três delas e elas me disseram: - "professora, sabe por que eu faço isso?" e eu disse: -"por que?" e elas continuraram dizendo: -" ah, porque a gente quer ser popular. A gente viu isso no filme professora.". Umas delas me disse outras barbaridades que viu em um filme e que iria tentar realizar. Foi um sentimento de tristeza e ao mesmo tempo de reflexão. Talvez Caroline, algo que possamos pensar: "Que tipo de modelo identitário essas crianças tem?", "que tipo de pessoas elas consideram como referência?". Eu percebo que em nossa sociedade, alguns modelos de verdade estão perdendo espaço para um relativismo que me preocupa. Por que se nós negamos algo como modelo, precisamos instituir outro modelo para colocar no lugar. Qual o modelo de formação da educação brasileira? Que tipo de Homem pretendemos formar? Essa crianças, muitas vezes não encontram modelos em casa e buscam em capas de revista, super heróis ou outras pessoas, pois criança necessita de um modelo e um exemplo, de alguém que possa conduzi-la. Mas acredito que podemos fazer nossa parte em âmbito local, e no alcance de pessoas, tentando trabalhar como você fez, no diálogo e no exemplo.

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